Limites

Limites

15.4.04

UM QUASE-ROMANCE


“Seja a mudança que espera do mundo”. Uma frase, um conceito, uma verdade, um ensinamento. Afinal, o que era a tal frase dita por Gandhi? Apenas mais uma fonte de consulta para aqueles que esperam o momento propício para manifestar seu conhecimento e sabedoria? (ou mesmo que este instante não chegasse, sua citação não tardaria pois a adequação sempre é devidamente providenciada). A dúvida quanto ao enquadramento daquela expressão de Gandhi realmente o atormentava. Não era apenas uma questão de definição, não era um mero capricho. Era vital. Entender quem dizia e o que se dizia, o faria talvez reavaliar sua postura diante da vida. Havia quem dissesse que o drama do nosso personagem fosse como a rebeldia sem causa, uma ocupação para quem não tinha problemas a resolver. Diziam que se fosse maduro, vivido, experimentado, seria mais pragmático e menos teórico, ou filosofal, ou “antropo e coisa e tal". Ele, com constância, ouvia: “você precisa viver no mundo real, e aqui as coisas são diferentes. Não há tempo para os seus caprichos”.

A cada dia vencido, mais uma época passada, mais uma oportunidade de, quem sabe, começar a entender o mundo. “e se todos estiverem certos?” -pensava ele-. “e se não houver o que entender ou fazer? Devo apenas viver a minha vida e correr em busca dos meus objetivos? Mas quais são os meus objetivos?” Ele sentia nessa tese um gosto de desesperança, de menosprezo aos sentimentos, aos ideais, sentia medo em não fazer a parte que cabe a cada um.

Caminhando de volta para casa assistiu uma briga no trânsito. Socos e xingamentos por causa de uma bobagem. Os gritos e provocações que ouvira na reunião no dia anterior em seu trabalho também não saíam de sua lembrança. O mais estranho era chegar em casa e, ligando a televisão assistir notícias de um mundo que pede paz: na Rocinha, no Oriente Médio, no Haiti...

Não importava o que lhe repetiam e buscavam lhe imputar à mente. Na verdade, não importava mais nada. Que fosse apenas uma frase oportunista, que o tal de Gandhi fosse apenas um charlatão. Tomara que fosse uma verdade. Já não fazia diferença se era um provérbio dito por um “velho sábio a um aprendiz” nas histórias de Paulo Coelho ou um dos princípios dos livros de auto-ajuda. Afinal, a frase ecoava sozinha na sua cabeça diante da sua realidade. Só isso fazia sentido. Só.