Limites

Limites

17.2.10


"BOA NOITE, LOIS"

Os filmes do "Superman" mostram um homem confuso com seus sentimentos, fingidamente atrapalhado com a intenção de esconder o heroi que dividia seu tempo e personalidade com o homem comum. A dúvida estava em cumprir seus deveres de salvação e viver como alguém normal que amava e suportava dores, desilusões e fracassos humanos.

Clark Kent passou muitos anos amando Lana. O tempo passou e viveram mais tempo separados que juntos. Cada um seguiu seu caminho e ele mudou-se para Metrópolis, quando já conhecia Lois Lane.

Durante um tempo ele sumiu para tentar encontrar respostas sobre sua origem, foi para longe em busca de si mesmo. Ao saber que haviam encontrado vestígios de Kripton, "Super" desapareceu. Voltou tempos depois. Como Clark, reassumiu seu antigo emprego no Planeta Diário e reencontrou o amor esquecido que guardava por Lois. Ela estava casada e tinha um filho chamado Jason.

O filme mais recente mostra o Homem de Aço sendo vencido por Lex. Todos os salvamentos que Superman promove no início da história e o levam de volta às manchetes não são capazes de reaproximá-lo do seu amor. Já no fim, tendo sido ferido por seu arquirrival e caído no mar, quem o salva dessa vez é Lois a bordo de um hidroplano. O filme termina e eles se despedem. Clark continua como repórter do 'Planeta' e as façanhas do heroi ficam guardadas para o resto do mundo, para ajudar o próximo.

Ao final vemos que no amor não há herois, no amor não há mocinhas aguardando serem socorridas, no amor um não salva o outro. No amor verdadeiro os dois se completam e dividem segredos, histórias, sentimentos, cumplicidade. É o amor verdadeiro que salva o coração - e não o corpo - dos amantes. O amor real é o de Clark: constante, confuso, limitado pelo medo de contar tudo que sente, de arriscar-se.

Nenhum poder, nenhuma armadura, nenhum corpo de aço é capaz de se sobrepor ao amor. Em nenhum relacionamento a capa intransponível do heroi é suficiente para, milagrosamente, mudar o interior de um coração como faz com o destino de vidas que são alcançadas pelos seus poderes. Tudo é vazado pelo sentimento: o peito, a capa, a frieza, a constância, a predestinação.

A vida pode ter mártires que sacrificam seu tempo para amar a humanidade doando suor, tempo, compaixão, abdicando de projetos pessoais em nome dos coletivos. Mas o amor não faz parte da vida normal, o amor sobrepuja os elementos comuns e afeta até aqueles que parecem sobrehumanos.

9.2.10

Alguns dias simplesmente passam, sem novidades, sem notícias. Passam. Ainda bem que são raros esses dias estranhos, ainda bem que passam.

2.2.10


VALORES, TEMPO, VAIDADE

"Já se vão 14 anos desde a primeira vez que vestiu terno e aprendeu a dar nó em gravata. Lembra quando, ainda na esquina de casa, aprumado para o primeiro dia de estágio, um desavisado perguntava: Doutor, que horas são?
O tempo passou, o estagiário aprendeu a falar em público, ganhou eloquência, comprou mais um sapato, o segundo terno, ganhou gravatas, sempre chamado de Doutor.
Um dia esse infeliz se formou, aprendeu a escrever, comprou sapatos, ternos riscados, comprou gravatas. Com um pouco de experiência e desenvoltura, teve sua primeira promoção, recebia elogios. Bastou um pouquinho a mais de dinheiro e estava dada a largada para a coleção de gravatas!
Os anos que seguiram foram repetição dos anteriores: sapatos, ternos, gravatas e camisas. Ah, as camisas! Antes compradas em magazines, passaram a ser feitas em alfaiates com as iniciais do Doutor (como aquilo o orgulhava!) bordadas na altura do peito, ganharam punhos duplos e abotuaduras.
O estagiário que tinha pavor de se expor agora usava palavras que ninguém mais entendia, um português próprio duma casta privilegiada, tinha ar de intelectual, vestia-se como ninguém, frequentava cocktails, recebia promoções. O Doutor gastava metade dos seus honorários com a beca que o fazia receber elogios pela elegância. Ele diferenciava-se inclusive dos colegas de escritório e via importância nessa saudável vaidade. Ele brilhava!
As responsabilidades continuaram a aumentar, seu nome foi cotado para outra promoção, seus olhos fumegavam de ambição. Trabalhava muito, a cada dia mais horas, já não era visto em casa e os amigos já não contavam mais com sua presença antes tão constante. Ganhou duas novas companheiras: a irritação e o estresse.
A competição em que estava envolvido tomava conta do seu pensamento. Soube que seu nome está sendo falado pelos corredores. Como remédio contra a difamação, mais horas de trabalho, noites sem dormir...e gravatas."

A história acima pode ser minha, sua, dos estagiários, dos vestibulandos, de todo incauto que pensa em fazer Direito. Numa carreira onde a vaidade está entranhada em cada linha, em cada botão, em cada argumento, tem valor tudo aquilo que é transitório na vida.

O advogado - Doutor das letras e do conhecimento - é um ser que, sem notar, vê-se absorvido por disputas de ego que passam a ser seus projetos de vida mais imediatos. Sua grande ambição é vencer todas as guerras que lhe são oferecidas: processual, intelectual, social, financeira, figadal. Todas, mesmo as sem propósito. Ele as quer vencer!

Conforme ganha experiência, é mais requisitado, fica mais horas frente ao computador, dentro do escritório, longe de casa. Suas companhias constantes são aquelas transitórias, pessoas que hoje dividem sala, amanhã apenas serão encontradas ocasionalmente em corredores do Fórum com sorrisos amarelos que não disfarçam a falta de simpatia.

Sua atenção e dedicação passam a ser justamente para essas pessoas, esses desconhecidos que se tornam alvos do seu planejamento, esses peregrinos que sentam na mesa ao lado. A família fica em segundo plano, os amigos também, o bem-estar igualmente, a saúde não é mais lembrada. Sua oração diária é: "o cafezinho nosso de cada dia nos dai hoje...."

Como deixamos a vida entrar nessa perigosa espiral? Como esquecemos que as pessoas mais importantes das nossas histórias não podem ser negligenciadas? Como passamos a viver para impressionar a quem mal conhecemos, a quem nada devemos, de quem nada teremos a não ser palavras ácidas na primeira oportunidade possível?

Não podemos esquecer, um dia que seja, daquilo que realmente importa, de quem realmente importa, que há coisas na vida que são transitórias, passageiras, outras definitivas e relevantes. Não devemos deixar que a vaidade se estenda por tempo demais ao ponto de inverter os valores que nos foram ensinados e que deveríamos seguir.

Não, nossos princípios não podem mudar pela vaidade. O que é princípio? É Aquilo que vem antes, em primeiro lugar. O que vem em princípio para mim? E para você?