Limites

Limites

2.2.10


VALORES, TEMPO, VAIDADE

"Já se vão 14 anos desde a primeira vez que vestiu terno e aprendeu a dar nó em gravata. Lembra quando, ainda na esquina de casa, aprumado para o primeiro dia de estágio, um desavisado perguntava: Doutor, que horas são?
O tempo passou, o estagiário aprendeu a falar em público, ganhou eloquência, comprou mais um sapato, o segundo terno, ganhou gravatas, sempre chamado de Doutor.
Um dia esse infeliz se formou, aprendeu a escrever, comprou sapatos, ternos riscados, comprou gravatas. Com um pouco de experiência e desenvoltura, teve sua primeira promoção, recebia elogios. Bastou um pouquinho a mais de dinheiro e estava dada a largada para a coleção de gravatas!
Os anos que seguiram foram repetição dos anteriores: sapatos, ternos, gravatas e camisas. Ah, as camisas! Antes compradas em magazines, passaram a ser feitas em alfaiates com as iniciais do Doutor (como aquilo o orgulhava!) bordadas na altura do peito, ganharam punhos duplos e abotuaduras.
O estagiário que tinha pavor de se expor agora usava palavras que ninguém mais entendia, um português próprio duma casta privilegiada, tinha ar de intelectual, vestia-se como ninguém, frequentava cocktails, recebia promoções. O Doutor gastava metade dos seus honorários com a beca que o fazia receber elogios pela elegância. Ele diferenciava-se inclusive dos colegas de escritório e via importância nessa saudável vaidade. Ele brilhava!
As responsabilidades continuaram a aumentar, seu nome foi cotado para outra promoção, seus olhos fumegavam de ambição. Trabalhava muito, a cada dia mais horas, já não era visto em casa e os amigos já não contavam mais com sua presença antes tão constante. Ganhou duas novas companheiras: a irritação e o estresse.
A competição em que estava envolvido tomava conta do seu pensamento. Soube que seu nome está sendo falado pelos corredores. Como remédio contra a difamação, mais horas de trabalho, noites sem dormir...e gravatas."

A história acima pode ser minha, sua, dos estagiários, dos vestibulandos, de todo incauto que pensa em fazer Direito. Numa carreira onde a vaidade está entranhada em cada linha, em cada botão, em cada argumento, tem valor tudo aquilo que é transitório na vida.

O advogado - Doutor das letras e do conhecimento - é um ser que, sem notar, vê-se absorvido por disputas de ego que passam a ser seus projetos de vida mais imediatos. Sua grande ambição é vencer todas as guerras que lhe são oferecidas: processual, intelectual, social, financeira, figadal. Todas, mesmo as sem propósito. Ele as quer vencer!

Conforme ganha experiência, é mais requisitado, fica mais horas frente ao computador, dentro do escritório, longe de casa. Suas companhias constantes são aquelas transitórias, pessoas que hoje dividem sala, amanhã apenas serão encontradas ocasionalmente em corredores do Fórum com sorrisos amarelos que não disfarçam a falta de simpatia.

Sua atenção e dedicação passam a ser justamente para essas pessoas, esses desconhecidos que se tornam alvos do seu planejamento, esses peregrinos que sentam na mesa ao lado. A família fica em segundo plano, os amigos também, o bem-estar igualmente, a saúde não é mais lembrada. Sua oração diária é: "o cafezinho nosso de cada dia nos dai hoje...."

Como deixamos a vida entrar nessa perigosa espiral? Como esquecemos que as pessoas mais importantes das nossas histórias não podem ser negligenciadas? Como passamos a viver para impressionar a quem mal conhecemos, a quem nada devemos, de quem nada teremos a não ser palavras ácidas na primeira oportunidade possível?

Não podemos esquecer, um dia que seja, daquilo que realmente importa, de quem realmente importa, que há coisas na vida que são transitórias, passageiras, outras definitivas e relevantes. Não devemos deixar que a vaidade se estenda por tempo demais ao ponto de inverter os valores que nos foram ensinados e que deveríamos seguir.

Não, nossos princípios não podem mudar pela vaidade. O que é princípio? É Aquilo que vem antes, em primeiro lugar. O que vem em princípio para mim? E para você?

7 comentários:

Bibi disse...

Garoto! Texto perfeito, lindo! Historinha + lição. Belas palavras escolhidas com cuidado. Tenho um livro para te dar (Quer? Me lembra!), que é bobinho, mas fala disso de uma forma tranquila, tocante, em paz. Tive um ano sabático também, de uma busca intensa por mim mesma e por aquilo que me fazia sentido e eu não via mais. Minhas escolhas se pautam agora em metas desejáveis e aceitáveis. Nem sempre possíveis, nem sempre prováveis. Justas. Boa caminhada! Conta comigo!

Vivianne disse...

Estou num ciclo um tanto estranho hoje: refleões sobre ambição, Bia Amorim e Rodrigo Albuquerque.

Li um texto pela manhã sobre uma pesquisa que revela a relação dos americanos com o dinheiro. Assim que fechei o livro, fechei os olhos também, e pedi a Deus que Ele não permitisse que eu amasse o dinheiro e sacrificasse o que relamente tem valor na minha vida. Conversei sobre isso com a Bia há menos de cinco minutos, e ela comentou que está malhando na mesma academia q vc. Aí, entrei no seu blog. Li este texto. Nunca comento, mas não resiti. Dou de cara com um comentário de quem?

oscriticos disse...

Vivi, o que quer dizer "ciclo estranho + reflexões sobre ambição + bia + eu"?

Unknown disse...

...Muito Bom...

Unknown disse...

BELAS PALAVRAS ...

ME FEZ PARAR E PENSAR ... SE NA MINHA CAMINHADA NAO ESTOU COMPRANDO "GRAVATAS" E ANDANDO COM COMPANHEIRAS POUCO AGRADAVEIS ...

BEIJOS

Rodrigo Albuquerque Maranhão disse...

welcome picolé

Anônimo disse...

Praticamente a minha história... Vamos trocar as gravatas por sapatos e estará perfeita... rs
Adorei o texto, especialmente pq determinou mais reflexão sobre minha vida!!
Beijos!! Rê