Limites

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26.3.10

Se não fossem vocês...

"O telefone não tocou e o carteiro só trouxe encartes, catálogos, nenhum postal. Passados muitos anos tenho ainda a lembrança de tanta gente marcante que dividiu segredos, sonhos e casos inesquecíveis. Impossível esquecer as velhas piadas que ninguém mais entendia. A vida passou e não sei mais onde eles estão.

Não sei como mas a terceira parte da vida tinha corrido e tudo que tinha eram boas recordações de um tempo que, mesmo tendo sido de poucos anos, havia gravado emoções que jamais se apagariam. Das amizades que um dia prometeram ser eternas não sabia sequer o endereço ou o telefone. Por onde andariam? Pra onde caminharam?

A tristeza não me corroía totalmente porque tinha muitos bons momentos passados. A vida que hoje era de uma monotonia deprimente, revelava-se mais brilhante quando trazia da juventude rostos que vira dia após dia, com quem havia descoberto quem eu era e quem gostaria de ser. A chama que ainda vivia era a do passado. Como foi bom!"

Infelizmente há quem não se orgulhe do que viveu. Há quem simplesmente não tenha história e funde suas esperanças nos dias que ainda virão, na expectativa de enfim viver intensamente e, um dia, ter do que lembrar. Todos precisam do passado, todos precisam do futuro, pois a falta de um ou de outro tira do presente boa parte do seu sentido.

Não ter referências afetivas, não ter amigos que lhe conheçam desde sempre o impede de ver confrontadas suas mudanças de temperamento, seu amadurecimento emocional, e, também, dos erros que permanecem apesar das rasteiras que deveriam ter-lhe ensinado a endireitar seus caminhos.

Não ter objetivos afeta a motivação, nos faz seguir sem saber pra onde, nos faz escolher sem saber o porquê. Daí a importância de buscar sempre novos caminhos, de preferência, contando com as conquistas que nos serão mais caras com o passar dos anos: os relacionamentos que fomos capazes de cultivar.

Relembrar é ótimo porque trazemos à tona das nossas caixas de memória sentimentos relacionados aos eventos que recordamos. Quando relembramos, sentimos de novo tanto o calor quanto o frio, a tremeção, a expectativa, a explosão de alegria... Feliz é quem tem do que falar, de quem falar, o que sentir. Feliz é quem tem histórias.

Mais feliz é quem continua vivendo-as. Com todas as agruras naturais aos relacionamentos, mas vivendo-as. Conseguir permanecer ao lado daqueles com quem você construiu sua história é desafio dos mais recompensantes mas não é fácil. É difícil porque, no desfiar da vida, aparecem oportunidades que nos levam pra longe, aparecem pessoas que nos levam pra longe e nos fazem mudar a maneira de pensar. É natural que nos alinhemos com quem comungamos gostos e ideiais, mas quando essa semelhança se desfaz, afastamo-nos. Quantos ficam?

O desafio de reviver talvez seja maior que o da primeira aproximação, da construção da amizade. Tudo que precisa ser reconstruído é mais difícil porque no começo não há marcas, não há queixas, não há conhecimento sobre aqueles defeitos que às vezes nos incomodam. Reviver é difícil, mas é gratificante. Reviver é escolher lutar por manter conosco as pessoas que aproximaram-se, contribuíram para parte da nossa personalidade e estarão sempre voltando naqueles sonhos estranhos que, vez por outra, surgem no meio da noite.

Claro que a vida não acaba quando deixamos pelo caminho nossos pilares, afinal, todo dia é dia de recomeçar, conhecer gente nova, iniciar novas relações, construir novas histórias. Mas, entre "lembrar de novo" e "viver de novo", entre a dura saudade e a possibilidade de olhar pro lado, viver "de novo e sempre" é bem melhor.

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