Limites

Limites

15.11.10

Sob medida

Cada um tem um tamanho, um jeito, uma forma. Cada um tem um gosto, um desejo, uma ideia. Cada um tem um motivo, uma desculpa, uma ilusão. Eu tenho um sofá pequeno que já foi do meu avô. 
Pequeno que um dia foi grande, pequeno de dois lugares e de muitas trocas; pequeno de muitas lembranças. 
Era o lugar onde eu encontrava meu pai lendo, sempre encostado em um dos braços e com as pernas estendidas sobre as almofadas. Também era onde eu, criança, dormia e cabia de corpo inteiro. As pernas aumentaram mas o sofá não mudou. Hoje, ontem e anteontem, como fora ano passado, retrasado e em mais de vinte outros anos, deitei, ajeitei-me e logo dormi. Dormi bem naquele sofá que parece pequeno mas onde sei, mesmo no escuro, como descansar. 
Nem tudo na vida tem o nosso tamanho, vem do nosso jeito ou ao nosso gosto. Existe abraço que não acolhe e mão que não encaixa. Há pessoas diferentes, umas falam e outras calam, umas sonham e outras esquecem. 
Talvez a gente só precise de um sofá velho. Um sofá para contar histórias. De qualquer tamanho, jeito ou forma. Ao seu gosto, que atenda aos seus desejos e te inspire novas ideias. Que te dê novos e bons motivos, ajude-te a inventar uma ou outra desculpa mas também permita viver doces ilusões. Eu tenho um sofá pequeno. Ele já foi do meu avô.

27.10.10

A perfeita distância


Há palavras que não devem ser ditas, mas guardadas em profundo segredo:
segredo de uma pessoa, apenas de quem o viveu.

Há momentos que não devem ser divididos, mas vividos de longe:
longe o bastante para serem vistos do jeito certo e tratados como necessário.

Há épocas - longas épocas - em que até a mais clara verdade precisa ser negada:
para que se esqueça que é real, para que possa viver além das negações.
Negada para que possa ver-se como de verdade é: além, muito além das circunstâncias.

25.10.10

Compartir


Eu acredito no diálogo,

em relações expostas,

em segredos divididos,

em vidas compartilhadas.


2.10.10

NADISMO


Tenho buscado fugir do padrão, do estresse, do excesso de informações, de um modo opressor de viver. Apesar de tentar não fico pensando em como fazer isso, ao contrário, simplesmente não tento, não penso, esqueço.

Venho vendo que há tanta notícia e propaganda, sobretudo virtuais, que estamos nos condicionando a absorver, cada vez mais, menores conteúdos ao invés de nos aprofundarmos em poucas coisas, no que é relevante. Hoje importa mais estar conectado em todas as redes sociais e através delas perceber cada reação publicada do que adensar as que efetivamente importam.

Quarta-feira (29) estava no aeroporto e isso ficou claro. No saguão de embarque, enquanto esperavam, poucos eram os que nada faziam, poucos eram os que absorviam o que o dia havia lhes trazido, depurando emoções ou ligando os conhecimentos ainda soltos. Poucos eram os que se davam conta de que um dia terminava e muita água havia rolado. De chuva em debaixo da ponte.

Alguns lanchavam, outros liam revistas, livros, jornais. Poucos dormiam. Muitos olhavam fixos para seus celulares ávidos por torpedos, emails e conexões. Ah, também usavam-no para falar. Quem não estava ao celular tinha refletida nos olhos a tela do notebook. Não sei se trabalhando ou ligados nas últimas notícias, passavam o tempo fazendo alguma coisa. Pareciam não querer ficar a sós consigo mesmos.

Eu me peguei fazendo nada, acalmando minha cabeça, digerindo as reuniões dos dias anteriores, calando-me por causa de uma discussão, conhecendo-me um pouco mais.

Não é de hoje que faço essa campanha e por ora vou insistir nela: não ao blackberry. Por um mundo de mais reflexão, de mais densidade, de mais ideias, de menos imediatismo. Porque nós não precisamos de tantas coisas supérfluas, precisamos ser relevantes.

29.7.10

20 anos de Brasil

Não é tão difícil buscar na lembrança os tempos nos quais o Brasil era muito mais seguro, mais lúdico, mas também de uma realidade que hoje nos parece tão distante e inacreditável. A geração que hoje tem 20 anos não acompanhou as eleições de 89 ou a campanha pelas Diretas em 84, não ficou na ‘fila do leite’ e na ‘fila da carne’, não conheceu as Fiscais do Sarney e só viu o Jô Soares como entrevistador, perdendo a chance de vê-lo ao lado de Paulo Silvino como o Capitão Gay. (Bem, eles também só tiveram notícia da Leila Lopes como atriz pornô e não como a professorinha da novela Renascer…)

Antes de Collor assumir a Presidência em 15 de março de 1990, o país vinha de uma grande luta pela redemocratização que uniu as principais forças políticas nacionais (Ulisses, Tancredo, Quércia, Franco Montoro, Pedro Simon, Lula, Brizola, Covas, FHC, ACM, Miguel Arraes, Roberto Freire) e artistas em torno de um único ideal: a volta das eleições diretas. A falta de prática política afastara a população dos governantes que desde a época do golpe militar eram eleitos indiretamente ou indicados.

Além da falta de legitimidade dos governantes, a crise econômica ditava os humores do povo que, como eu ainda pequeno, levava seus bancos para a fila da padaria e do açougue para comprar produtos que eram racionados pela baixa produção: leite e carne. O Brasil que hoje tem no Centro-Oeste um dos maiores rebanhos do mundo, há 25 anos tinha cota de leite e carne.

Nosso parque industrial ainda era resquício de meados do século XX quando haviam sido criadas a CSN (40), Petrobras (53), Furnas – p.ex. – (57), o Plano de Metas (governo JK) e do investimento em siderurgia, energia e petroquímica durante o período do “milagre econômico brasileiro” (68 a 73). Com a primeira crise do petróleo em 74 e a necessidade de sua importação, a balança comercial nacional virou em alto déficit e caminhamos lentamente para a recessão.

A prosperidade não durou e a inflação de demanda tornou-se inevitável. Apesar da riqueza gerada, como a indústria não dava vazão à capacidade aquisitiva de parte da população, os produtos manufaturados começaram a escalonar seus preços e alimentou o que, já de volta aos anos 80, convencionaram chamar o Dragão da Inflação.

Voltando ao início do texto, no ano anterior a Collor assumir a Presidência a inflação oficial registrada foi de 1.764%. Esse contexto inflacionário fora de controle, de mudanças de moeda, de desequilíbrio da balança comercial, de desequipamento do parque industrial, de dívida pública elevada (e desconhecida), além da produção legislativa nos últimos 20 anos pautará esse curto levantamento da situação econômica e política que vivemos às vésperas de mais uma eleição.

18.7.10

O Meu "Comer, Rezar, Amar"

Um dia decidi parar e ler minha história. Li e reli, revisei, revirei. Eu estava disposto a recomeçar.
Troquei de cor, de cabelo e de horários. Deixei o suor levar as preocupações e o sal lavar as toxinas que ainda não tinham sido processadas. Vi que precisava renovar.

Uma das coisas que aprendi foi a conhecer os temperos e como eles podem, juntos, criar experiências surpreendentes. Outra é que o tempo de cozimento precisa ser bastante cuidado: nem cru nem escozicado. Depois disso, tratar os sorobôs-de-ontêm como matéria-prima virou diversão. E tudo podia se fazer novo...

Talvez a cozinha tenha sido o início desse recomeço porque te leva a pensar nos cuidados, a escolher a receita, a selecionar os ingredientes, a limpar, preparar, cozer/fritar/assar seja-lá-o-que-for e sempre olhar para não desandar. Só que antes disso tudo você pensa em alguém porque poucos são os que cozinham para si. Geralmente cozinhamos pensando em alguém ou cozinhamos para alguém, e nessa dedicação a nossa vida se abre...

Também voltei a rezar. Demorou muito, muito mais do que um dia eu poderia imaginar. É que o tempo é sutil, e, discretíssimo, chega todos os dias com uma cara normal, banal e comum mas quando se vai deixa algumas histórias que não pareciam ter sido escritas para você. Elas não pareciam suas e provavelmente estavam na lista daquelas que você sempre rejeitara. Fato: o tempo veio e sussurrou alguns casos que ficaram listados na minha ficha corrida.

Enquanto o vento soprava eu não lembrei de rezar e não senti peso ou culpa. Não que as minhas convicções tivessem mudado porque, fosse essa a estratégia do tempo, seria óbvia e mais fácil de ser resistida. Eu me distraí com justificativas. Enquanto me empenhava em desejar lugares mais altos, alguns cansaços ficaram acumulados e justamente nessas frustrações eu depositei a razão da minha distração.

Não foi nada fácil durante esses anos descortinar cada paranóia, cada medo, cada erro, cada fracasso, não foi fácil resistir muitas vezes ao que claramente destoava da fé que ainda carregava. Mas o que conta não são as vezes que você consegue resistir mas sim aquelas em que não. São essas que vão te deixar marcas e te levar cada dia mais longe para o dia do recomeço.

Dentro da lista de erros imperdoáveis, ficou claro que o amor irresponsável é o mais cruel deles. Irresponsável, aqui, não quer dizer lascivo. Falo da responsabilidade que assumimos no dia em que nos dispomos a conquistar alguém e despertar nela o mesmo sentimento que imaginamos começar a sentir. Mas como relações são feitas de muitos desencontros e alguns encontros, saber lidar com o amor a destempo definitivamente não é tão simples como gostaríamos.

Aprender a amar é bastante diferente de aprender a se relacionar porque, se até mesmo o amor pode ser mal entendido, mal interpretado ou desprezado, quiçá um relacionamento. Como o Apóstolo escreveu, o amor não se queixa, não é egoísta, tudo espera, tudo suporta, tudo crê. O amor é além de rótulos, de anéis, de títulos ou alcunhas. O amor vai existir antes de tudo e permanecerá quando os atuais virarem 'ex-qualquer coisa'. Porque é preciso amar as pessoas e cuidar que elas não se machuquem por sua causa. É preciso cuidar das pessoas.

Infelizmente você carregará alguns fardos, alguns dardos, algumas acusações justas - outras injustas - de amores irresponsáveis e também de responsáveis. Mas que se cuide das feridas dos outros antes das suas, que se evitem as feridas na medida do possível até o limite do impossível, que se abstenha de prosseguir quando vir que os infortúnios serão mais presentes que os sorrisos. Porque é preciso amor para começar, amor pra continuar e amor pra recomeçar, mas também é preciso amor para terminar.

Nesse caminho descobri que sempre há um ponto de retorno. Essa é a expressão que tenho carregado comigo: ponto de retorno. Sempre tem o dia do convite, sempre tem o dia do olhar, do falar, do concordar, de deduzir, de seduzir, e sempre tem um ponto em que podemos pensar, pensar, pensar e decidir se iremos continuar. Depois do ponto de retorno essa decisão sobre continuar fica muito mais difícil e dolorosa, mesmo que haja amor.

Comer, rezar e amar estão ligados a prazeres, instintos, a centelhas divinas depositadas em nossas almas. Como tudo que Deus faz, há liberdade de escolha para o homem e podemos, ainda que a contragosto, transformar o alimento em glutonia, a oração em heresia ou idolatria, e o amor em lassidão. Tudo depende de motivo e de foco, do porquê você quer fazer e o que você quer alcançar. Talvez essas sejam as perguntas essenciais na vida...

O que pode parecer paradoxal é que nesses meses olhando pra dentro de mim aprendi a enxergar mais os outros. A surpresa é que quanto mais você cuida de si menos razão você encontra para cuidar de aparências. E quanto mais longe você consegue ficar da vaidade, mais fácil se torna encontrar a essência de todos os prazeres.

6.6.10

As Profecias de Renato Russo

Há cerca de 25 anos a Legião cantava que "somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da Nação, GERAÇÃO COCA-COLAAA". Bom, apenas parte disso se concretizou, afinal, o futuro chegou e nós não o acompanhamos. Talvez o futuro chegue no futuro....Enfim, importa agora falar dessa nossa geração, dos "filhos da revolução".

Não somos burgueses sem religião. Ao contrário disso, talvez hoje vivamos num país mais religioso que nunca. O catolicismo herdado de geração em geração e pouco praticado transformou-se em: catolicismo (tradicionais e carismáticos) + evangélicos + espíritas + qualquer igreja que se funde por aí. A religião é um fenômeno social que não foge da pauta sequer da disputa presidencial. De toda forma, ainda que essa geração busque respostas no espiritualismo, permanece perdida como nunca, continua tentando sobreviver aos novos desafios que lhe foram impostos. Nós vivemos uma vida sem manual de instruções.

Nossa geração é uniformizada mas permite-se agregar a todas as novas tribos que emergem, experimenta toda sorte de novidade, reinventa-se ao fim de cada ciclo e descarta o que já foi usado. Recomeça. Em parte é ótimo que tenhamos a mente aberta, que saiamos ao encontro de novos caminhos. Por outro lado, não chegará uma hora que cansaremos de correr, de mudar de roupa, de hábitos, de religião....de princípios!?!?! (princípios, por onde eles andam?) Não chegará uma hora em que precisaremos deixar de descartar tudo e investir na reconstrução das instituições?

Desafortunadamente estamos desbravando caminhos que serão trilhados pelos nossos filhos. Nós começamos a reinventar o mundo que nossos pais deixaram para nós. Eles, sem culpa, não têm respostas para nos dar; a culpa é nossa que virou tudo de pernas pro ar. Eles foram filhos da estabilidade, da falta de mobilidade social, eles viveram o "milagre econômico". Enquanto a classe média brasileira surgiu com os nossos pais, mingua conosco que, a nosso turno, produzimos mais ricos do que nunca.

Mas essa riqueza que cresce nos leva para onde? Que tipo de pessoas temos nos tornado em nome da geração do ouro, das cifras, de novos mercados, de emergência, de bilhões a mais na balança comercial, da internacionalização da nossa marca? Tenho grande preocupação ao pensar nisso.

Temos cedido um tempo precioso das nossas vidas em nome de espaço no mercado global. Somos estressados, impacientes e vivemos em cidades caóticas com trânsitos quase imóveis. Trabalhamos quase tanto quanto no período da revolução industrial, só que agora com férias e descanso semanal. Todavia, se não morremos pelo pó do carvão, morremos do coração, de infartos e derrames provocados pelo estresse. Cada ano que passa temos mais reconhecimento internacional mas ficamos menos em casa. Ao final de cada mês temos metas a superar, ao final de cada dia temos relatórios a entregar, tarefas a cumprir não importa o tanto de horas extras que isso demande.

Nós não temos estabilidade, não somos mais uma nação preponderantemente de funcionários públicos na qual nossos pais viveram com toda a tranquilidade que isso trazia. Quanta mudança! Eles, "os véios" trabalhavam como engraxates, começavam como contínuos numa empresa e, após décadas, aposentavam-se nessa mesma companhia como diretores ou gerentes. Nós? Coitados! Mudamos de emprego a cada ano ou triênio, somos atraídos por ofertas melhores ou traídos por ofertas menores feitas a profissionais que se disponham a trabalhar em nosso lugar por menos que ganhamos.

Claro, em tudo há dois lados: se por um prisma a estabilidade fazia bem ao convívio da família em virtude de haver menos preocupações e incertezas, por outro, bem, vocês sabem....estamos crescendo, blá blá blá, blá blá blá, blá blá blá.

Se continuarmos assim, seremos sim a "geração do futuro" profetizada pela Legião e fundaremos um novo país. Mas e os nossos filhos, herdarão o que de nós? Melhor dizendo, eles saberão o que é a relação de "Pais e Filhos" ("quero colo, vou fugir de casaa/ posso dormir aqui,com você") que nossos pais nos ensinaram? Estaremos em casa para lhes dizer isso ou estaremos nos escritórios tentando salvar os empregos que pagam nossas contas mas que duram cada vez menos?

Não nos deram essa resposta e não disseram o que precisamos fazer. Mas não culpemos nossos pais. Essa é uma luta que precisaremos vencer sozinhos a fim de que nossos filhos herdem mais do que apenas dinheiro e status. Só assim construiremos um futuro que valerá a pena ser vivido. E tomara que nossos filhos não nos culpem por isso.

5.6.10

Clínica geral

O que uma radiografia da moral brasileira mostraria? Nada que, a olhos nus, um bom clínico geral não pudesse diagnosticar.

A confirmação de que um dos coordenadores da campanha de Dilma negociou com arapongas a elaboração de um dossiê antitucano, é apenas mais um capítulo dessa interminável narrativa brasileira. Na semana em que a pré-candidata petista empatou nas intenções de voto com José Serra, o Presidente Lula foi condenado pela quinta vez por propaganda eleitoral antecipada. Quinta!

Esse processo político corroído por imoralidades não está no começo e nem em seu ápice. De fato, a anestesia injetada há tempos já produziu efeito e tanto povão quanto políticos, iguais em suas hipocrisias, já não se importam mais com os meios utilizados, desde que o país “melhore”, cresça.

Apenas para limitar as incontáveis indecêndias aos partidos líderes, podemos citar a compra de votos pela emenda da reeleição capitaneada pelo falecido Sérgio Motta no governo Fernando Henrique, os mensalões de Lula & Zé “Sai de Retro” Dirceu no Congresso, e de Azeredo em Minas, a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo -a quem queria-se incriminar – pelo poderoso Palocci, os aloprados da eleição paulista na primeira edição dos dossiês petistas…

Desde que Maluf começou a ser denunciado, repete-se a máxima de que é melhor quem “rouba mas faz” do que aquele que permanece inerte. O ditado regente típico de um povo absolutamente carente mostra-se ainda eficiente quando Dilma alcança Serra na corrida eleitoral. Pouco importa se os métodos são ilegais, pois, no fim das contas, vale a pena. O saldo entre pagar multas de 5 ou 10 mil reais frente ao crescimento de 5, 10, 15 pontos percentuais é altamente positivo. Essa é a matemática que vale. E enquanto continuar a valer a pena…bem, vocês sabem.

Não se engane quem pensa que os políticos são os únicos praticantes dessa distorção. Eles só agem assim porque quem vota neles é o povo que entende que, enquanto o Governo petista apresentar bons índices sociais e econômicos, toda ilegalidade será tolerada. Despersonificado o mito, Lula é o novo Maluf.

E pensar que o Presidente alemão acabou de renunciar ao cargo porque, mesmo sentindo-se mal-interpretado, acham que falou uma bobagem. Ah, se essa moda pega no Brasil…

Perspectiva

A vida é bem mais do que o que conhecemos.

22.5.10

Direto de Kentucky

Assistindo Late Show hoje, ouvi a história abaixo que se ajusta com o que tenho pensado e buscado viver.

"Eles tiveram notícia de que aquele sujeito, que havia se mudado de Chicago para o interior do Kentucky, era policial aposentado e costumava tocar gaita-de-fole em cerimônias para homenagear seus companheiros mortos em trabalho. Com a morte de um grande amigo, resolveram convidar o ex-policial para tocar no enterro. Apesar de não conhecer a família, de estar aposentado e já não tocar há algum tempo, aceitou.
Como estava na cidade há pouco tempo, acabou perdendo-se pelas estradas do interior, entrou em fazendas por engano e chegou 1 hora e meia atrasado ao sepultamento. Todos já haviam ido embora: pastor, familiares, amigos, apenas os coveiros descansavam a poucos metros de distância. Olhando o caixão já baixado, ainda que sozinho, começou a tocar sua gaita com a mesma emoção que tinha quando rendia as últimas homenagens a alguém próximo. E chorou enquanto tocava."

Viver a dor do outro, ainda que distante; usar seus talentos sem pedir nada em troca; dar seu tempo para cuidar de prioridades que não são suas. Isso faz toda a diferença. E cada um de nós, se quiser, pode fazer diferença e marcar a vida de muitos outros.

17.5.10

Ausência - de Vinícius de Moraes


Não bastassem as incomuns genialidade e sensibilidade de Vinícius, não tenho me forçado a achar definição pros meus dias e assim fujo dos meus pensamentos. Como o deleite na arte é certo, para não incorrer no abandono, deixo a beleza de quem entendeu o amor sem vulgarizá-lo, sem subestimá-lo, e sem jamais abandoná-lo:


"Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada."

Confissões de dias difíceis


A confusão das últimas semanas tem tirado as letras de mim. É curioso porque, ao mesmo tempo em que estou invadido de palavras que voam, amontoam-se e formam pilhas de preocupação, fico tão perdido que já não sei direito o que sinto. Faz alguns dias que não sei o que sinto.
Raramente falo de casos, raramente falo de abstração - pelo menos aqui. Perigosamente falo de mim, daquilo que vi, do que vivi. Mais que tudo, do que senti.
Problema grave é que minha cota de onipotência está perto do fim, ao menos é assim que me sinto: fraco. Tenho esperado com angústia nos últimos dias por lampejos de brilhantismo, por mágicas mais que ilusórias, por milagres mais que improváveis. Deixar a mão estendida não tem sido suficiente para curar quem precisa e nem mesmo para aplacar minha infinita necessidade de socorrer a quem amo. Dias difíceis esses: sem respostas, sem milagres, sem palavras. Só de esperança.

10.5.10

União civil dos homossexuais

Sim, sou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo (parte 1). Além disso, concordo com a adoção de crianças por casais homossexuais (parte 2). Quem me conhece pode estranhar as afirmações pelo fato de eu ser cristão, ligado a igreja que não realiza esses ofícios e, por seus princípios, jamais os realizará ou incentivará. Nessa condição só vejo o casamento como lícito se for realizado entre homem e mulher.

Mas meu voto favorável a ambos os temas não está vinculado à fé que professo, mas à minha condição de cidadão. Enquanto cristão, mantenho-me aliado à visão religiosa do tema, o que não me impede de ter bons relacionamentos, respeitar e defender que os homossexuais tenham garantidos os mesmos direitos dos heterossexuais frente à Administração Pública.

Já se vão mais de 500 anos desde o Renascimento, momento histórico ao qual a Reforma Protestante está ligada. Nela, uma das mudanças propostas pelos reformadores era justamente a separação entre Estado e Igreja. Desde então essa ideia passou a ser incorporada aos fundamentos de diversos Países, tendo até hoje sua maior bandeira na França através do lema “liberdade, igualdade, fraternidade”. Igreja é igreja e deve manter sua convicções, manter sua ética, lutar para que a verdade na qual acredita seja praticada por seus líderes e liderados. Estado não é igreja. O Estado, na concepção romana, é um ente abstrato, impessoal, uma criação que tem como finalidade servir aos seus habitantes.

Dentro do Estado laico e distante do Teocrático, não consigo enxergar outra postura oficial senão a de garantia ampla de acesso igualitário aos direitos a todos os cidadãos. O cidadão usa o solo, paga imposto, compra, vende, vota e é votado independente de sua religião ou opção sexual. Esse Estado que não questiona a opção sexual para recolhimento de impostos, da mesma maneira não pode impor limitações aos direitos civis daqueles que, sexualmente, não seguem as tradições da maioria.

Ainda, o Estado não poderia impedir, como conseqüência lógica, o direito de herança ao companheiro(a) que, junto com seu parceiro(a) construiu certo patrimônio dentro de uma relação tida como casamento. “Dentro de uma relação tida como casamento” que precisa passar a ser chamada de casamento. Assim como os heretos têm direito a essa formalidade social que permeia o sonhos de quase todos nós, os homos não podem ter, enquanto cidadãos, esse sonho roubado.

Enfim, pregando uma tese antiga trazida pelos Reformadores da igreja, sustento que o Estado não pode nem deve estar vinculado à Eclesia, seja através da concessão de títulos, seja da doação de terras ou da imposição de suas doutrinas.

“A César o que é de César”….e de Julio, Serginho, Dicesar, Rick ou outro nome que quiser escolher.

3.5.10

As veias abertas do Rio de Janeiro

Noutro dia recebi um email da Verônica que contava a seguinte história:

Todos os dias passo pela Nossa Senhora de Copacabana, quase em frente ao Copacabana Palace e vejo um rapaz sentado no chão de muletas, pedindo esmolas. Algumas vezes dei uns trocados, outras não, mas ele sempre me dava bom dia, boa tarde…simpático até.

Hoje, quando passei por ele por volta das 17hs, havia um aglomerado de pessoas em volta dele, estirado no chão, agonizando. Seus olhos estavam esbugalhados. Uma mulher o abanava com um pedaço de papelão, outra dizia “Ele vai morrer até chegar a ambulância!”. Ligaram para o socorro, mas sabe-se lá quem respondeu: – “Ah é de rua, deixa morrer, menos um…”

E eu, o que digo diante desse relato? Não estamos falando de governo, de política demográfica, de falta de leitos, de falta de emprego. O camarada que parecia uma espécie de ‘mendigo do bairro’ (aquele educado que não é agressivo ou se mostra perigoso, que não cambaleia bêbado, recebe quentinha das viúvas, roupas e até uns trocados…), pode ter escolhido viver na rua. Sim, há quem faça essa opção (conheço um caso de perto). A incredulidade diante da reação “deixa morrer” não pode ser repassada para a abstração estatal, não pode ser jogada no colo dos insensíveis governantes. Essa, meus amigos, é culpa de gente, de alguém que tem nome, CPF, endereço, família, alguém que pode ser o cidadão sentado ao nosso lado no banco do metrô.

“Deixa morrer” é o que muita gente diz hoje. É o pensamento burguês de uma classe média decadente moralmente, com cada vez menos princípios, menos objetivos que não sejam o de ter carros novos, apartamentos ornados e um closet para substituir as roupas que já não cabem mais no armário.

Não podemos mais falar apenas de ética, de corrupção, de segurança, de saúde, das enchentes, da falta de moradia, da falta de transporte digno. Precisamos rever os conceitos que estamos passando para a geração que virá depois de nós, os ensinos que andam pregando aos nossos filhos, os exemplos que estamos dando a eles. Por onde anda a compaixão, por onde anda a caridade, por onde anda a mão estendida? Que tipo de gente nós somos?

Que loucura!

De ontem pra hoje tive um sonho louco. Mais que um sonho, uma conversa.

Passei por aqueles dias em que você acorda e volta a dormir algumas vezes, por uma daquelas situações raras em que acorda e consegue lembrar do que sonhou. Mais que isso!, lembrei do que estava sonhando e, ainda sonâmbulo, voltei a fechar os olhos. O sonho continuou.

Já era quase de manhã. Abri os olhos zonzos com a memória forte da conversa que, sonhando, estava tendo com duas amigas e a impressão que tive foi a de um pedido: hei!, vai acordar sem responder à minha pergunta???? Achei tudo muito esquisito e (claro) tentei dormir novamente. Consegui e elas estavam lá, esperando a continuação do bate-papo....

O que eu respondi? Não lembro. Droga!

29.4.10

Memórias de um recomeço


Existe uma imensidão de mundo desconhecido, de gente para encontrar, de dias para viver. Há cantos e caminhos. Sempre há um lugar pra onde partir, sempre há um destino. A vida se renova, o sentido se renova, a insegurança que nos escondia um dia se vai.

Nesse recomeço, por algum tempo, vamos andar no escuro tateando e esbarrando nos outros, dando topadas e pedindo desculpas, mas seguiremos porque é importante seguir, seguir nessa imensidão de mundo desconhecido.

Vamos andar no escuro por toda a madrugada mas uma hora o dia nasce, o sol volta, a claridade vem. Dia ou noite, é pela luz interna que nos guiaremos e seremos capazes de não cair no abismo, de não mudar de essência, de não jogar fora todas as nossas conquistas. É com esse lampião que superaremos a escuridão e entenderemos, mesmo com o pé sujo de barro, que não nos perdemos, que andávamos apenas por uma estrada nova.

Por onde quer que andemos, só não podemos deixar de olhar pra dentro. Mesmo contra a nossa vontade ou expectativa, o tempo de caminhada pode ser longo e isso talvez não dependa dos esforços que façamos. Não, não devemos olhar para o caminho, para as pedras ou para o pó, devemos mirar o horizonte. Porque um dia a dificuldade passará, a confusão passará, as dúvidas passarão....Sim, outras virão. E daí?

Deixe a chama sobre a cama, em cima da mesa e à frente dos olhos. Ande!, siga, conheça, reconheça, renove-se, insista. Recomece.

19.4.10

Nada Especial

Eu tive fora uns dias, fui ver o mundo do alto. Não consegui fugir das chuvas brabas mas pude passar tempo com parte da família distante.

Às vezes fugir é bom. A rotina muda, as companhias mudam, as conversas mudam. A perspectiva muda. Ajuda mais ainda quando, como consegui, você viaja para perto da sua história, da sua origem, quando você tem possibilidade de ouvir causos sobre como tudo começou, de tempo que não era o seu e de escolhas que determinaram o rumo da sua vida. Foi assim pra mim.

Volto com todas minhas certezas no lugar e ideias novas. Não chegou a ser uma transfusão de sangue mas há algo de novo correndo por aqui. Quero cuidar de uma coisa de cada vez, resolver todas elas, dar a cada uma a exata importância que deve ter, tentar ser feliz em todas essas escolhas.

A vida vai continuando, com uma boa notícia a cada dia, com uma escolha a cada dia.

13.4.10

O problema é o mate

É do mate, do lixo, das ocupações irregulares de calçadas por carros e camelôs, de encostas, de terrenos na Zona Oeste. É dos carros em fila dupla e de pequenas corrupções. O problema é de formação e de intenção.

Concordo que haja responsabilidade do Governo nas recentes tragédias que vitimaram Rio de Janeiro e parte do Nordeste. Nesses casos, porém, não acho que a culpa atenda pelo nome de Prefeitos ou Governadores. Penso que existe uma responsabilidade governamental mais ampla, tanto de Poder Executivo quanto do Legislativo (representado por suas Câmaras e Tribunais de Contas). Explico.

Tomando o Rio como exemplo, a cidade chegou a um nível de desordem e de descompasso estrutural que me parece inadequado deixar na conta dos atuais governantes toda a herança recebida. Ninguém, nem Juscelino com o dinheiro da Previdência, conseguiria assumir o mandato, verificar as urgências, elaborar projeto de obras, aprová-las em todas as suas esferas, incluir no orçamento, licitá-las e, enfim, executá-las. O calendário não permite.

Sem somar a todos os entraves burocráticos a resistência da população, em 4 ou 8 anos não se consegue mudar um Estado. Lula com toda a sua aprovação e propaganda de ‘nunca antes’, após quase 1 década entregará ao seu sucessor um País sem significativas heranças estruturais. Especificamente falando de ocupação desordenada do solo, se pensarmos que já há, mesmo depois de tantas mortes, resistência dos moradores do Morro dos Prazeres à remoção, como tratar o planejamento da cidade em 1 mandato? Como enfrentar a opinião pública que acaba defendendo o ‘direito do pobre’ por sua pura condição desfavorável? Mais uma vez, ações judiciais em defesa dos despejados impediriam qualquer calendário de ser cumprido por apenas um governante.

O País precisa de um Plano Diretor supragovernamental, elaborado pelas Casas Legislativas, fiscalizado pelos Tribunais de Contas. Os chefes do Executivo devem operar com metas dentro dos seus mandatos. Os municípios e Estados devem ter planejamento de longo prazo feito por suas secretarias, assim como fizeram FHC com seu “Plano Plurianual” e Lula com o “PAC”. Enquanto os governantes não forem tratados como gestores, cobrados em metas reais como já o são na Lei de Responsabilidade Fiscal, continuaremos os vendo com rodos na mão recolhendo a lama que desce a cada chuva de março.

6.4.10

Dias a mais, dias a menos


É natural fazermos planos e é comum esquecermos deles. No decorrer dos dias, alagados por novas preocupações, tratamos de cuidar das urgências e no final de tudo queremos apenas uma boa noite de sono que repare nossos desgastes.

E assim a vida segue com conquistas, com experiência, com novidades que surgem em nosso caminho e vêm para ficar em definitivo. Vez por paramos e pensamos pra onde teríamos seguido, como estaríamos ou quem seríamos se uns dias marcantes tivessem tido um desfecho diferente. Imaginamos, acordamos e seguimos a vida. Sem perceber seguimos, buscamos novas conquistas, guardamos mais experiência e temos outras novidades eternas.

Mas e se você sentisse uma dor esquisita que te levasse a exames. E se o resultado desses exames te levasse ao diagnóstico de que seus dias estão contados? Tudo ficaria igual? Você permanerecia no mesmo trabalho, trataria as pessoas do mesmo jeito, faria os mesmos planos? Você deixaria a vida seguir o mesmo ritmo se no dia de hoje alguém dissesse que você não verá o final do ano?

Para alguns essa notícia libertaria sonhos proibidos e levaria a dias da mais pura canalhice. Já outros afundariam em depressão e esperariam sonolentos o fim que certamente se abreviaria. E nós, o que faríamos? Difícil dizer. Talvez alternássemos um pouco de cada, assim como os dias de inexplicável disposição e os de insuportável bode.

Claro que essa não é a primeira vez que alguém te faz essa pergunta. Afinal, o que pensar? De certa maneira nossos dias estão sim contados, só não sabemos quantos são. A diferença é que receber a notícia faz conhecido o nosso maior medo, mostra que talvez não tenhamos tempo para realizar muito do que planejamos ou para consertar as relações que não caminharam como gostaríamos.

Nossos dias estão contados. E então, o que fazer? Como viver?

5.4.10

Intensive Care Unit

No episódio "O coração de Wilson", House e Amber sofrem acidente num ônibus que termina, ele em coma e ela morta, no seguinte diálogo:

House- Você está morta?
Amber- Sim.
H- E eu?
A- Você ainda não.
(...)
H- A vida não deveria ser aleatória. Ela deveria levar dependentes arrogantes e misantropos, e não lindas jovens no ápice de sua paixão.
A- Essa autocomiseração não combina com você. Você está bem?
H- Não, não estou. Sei que Wilson não vai me perdoar.
A- É verdade, ele não vai te perdoar. Você precisa ir. Está na sua hora.
H- Eu não quero descer. Quero ficar aqui.
A- Por quê? Você não pode ficar.
H- Aqui eu não sinto dor, aqui eu não sou infeliz.
(...)
A- Adeus, House.

Por que transcrever esse diálogo? Por que falar em morte e quase-morte? Apenas para lembrar a mim mesmo que até os autossuficientes, até os desencanados, até os despreocupados têm seu dia de dor, de fraqueza e de não querer enfrentar seus problemas.

3.4.10

Contraponto


Diferente do que pode sugerir, contraponto não é o mesmo que contra-argumento. Contraponto vem da música e diz respeito a harmonia de vozes ou instrumentos. A semelhança dessas palavras acaba na sua estética, já que, transferidas para relacionamentos, preservam sua absoluta diferença e exercem influências distintas. Na verdade contraponto e contra-argumento não são semelhantes, mas não por isso são opostos.

A cada dia vemos com maior frequência as dificuldades de se manter ou desenvolver relacionamentos, agravadas em boa parte pela incapacidade mútua de um falar a língua do outro. Em reação ao que entendemos como incompreensão, falta de atenção ou de cuidado, fechamos-nos e elucubramos as interpretações que parecem mais lógicas àquele estado de coisas. Quando vivemos momentos que passam muito longe dos que idealizamos, e, principalmente quando a frustração desse ideal está ligada ao comportamento da(o) nossa(o) companheira(o), sentimo-nos autorizados a transbordar nossa dor através de contra-argumentos ferinos. Sem perceber, a cada dia minguando mais, reservando-nos mais, reagindo mais, agredindo mais, nossa palavra mais constante passa a ser o não.

Se estamos infelizes e insatisfeitos, se nos sentimos rejeitados e injustiçados, dificilmente somos capazes de concordar com o nosso companheiro mesmo quando ele tem razão. Assumimos a condição de contraditor primaz. Então é formado o círculo "rejeição-contraposição-aumento de insatisfação". Essa é uma espiral que ganha força até que um dos atingidos seja capaz de quebrar a fonte do vendaval, e, igualmente importante, que o outro esteja disposto a desenvolver novos hábitos.

Aqui entra o contraponto. Contraponto, como já dito, é a harmonia entre diferentes vozes ou instrumentos. Fica tão claro perbecer através desse exemplo que as diferenças podem ser utilizadas para a boa sonoridade, para a boa vibração. Ser capaz de ouvir e de encaixar distintos sons é o caminho para que a música tocada seja inspiração para a alma de quem toca e de quem ouve. Os tons e semi-tons, quando usados no momento errado, irritam o ouvido, desafinam e nos fazem querer levantar da cadeira e ir embora. É como o argumento que vira contra-argumento.

Definitivamente não é fácil encontrarmos os nossos contrapontos em outras pessoas. Decididamente, é tarefa das mais desgastantes, quando os encontramos, trabalhar para manter a afinação, a harmonia, e, ainda, ter talento para elevar o tom das notas que foram mal tocadas. Apesar disso, ainda não nos foi revelada satisfação maior do que a boa música, aquela que nos eleva e incentiva nosso espírito.

A definição que não é minha guardei há poucos dias: "amor é quando você encontra o contraponto da sua alma em outra pessoa". Não estamos falando de relacionamentos? Não começamos dizendo que contraponto e contra-argumento não são necessariamente opostos? Pois bem. De fato, não são. Quando somos capazes de entender que podemos tocar instrumentos diferentes ou cantar em tons diferentes, também conseguimos deixar de levantar contra-argumentos a cada contrariedade. Quando somos capazes de entender que os contra-argumentos podem ser utilizados como contraponto em nossos relacionamentos, também conseguimos deixar de usá-los como arma e passamos a vibrar em uníssono e a querer mais música.

1.4.10

Ao trabalho


A tristeza é mais fácil porque é uma rendição.
Já a felicidade, ah!, essa é trabalhosa depende de construção.

30.3.10

Acabou o Porto


Nos dias mais turvos, ela estava aqui
Nas noites de chuva, seu gosto me esquentou.
O que minha boca sentia era licor de cheiro ébrio, encantado: perfume de fruta e de álcool, sabor de calor e de fazer suar.
Seu gosto persistia na língua e embaralhava minha razão.
Que pena, hoje provei o último gole. Pela última vez, até buscá-la novamente, dormi tonto.
Hoje acabou minha garrafa de vinho do Porto.

27.3.10

Durma bem


Eu queria ter uma casa, uma casa ao lado de um lago.
A casa teria dois andares, no quarto uma mesa junto à janela de onde eu pudesse escrever e olhar as vinhas. Sim, eu queria ter vinhedos.
Eu queria morar na França, numa cidade pequena e andar por ruas de terra.
Queria ver poeira em vez de fumaça, queria não ter relógio. Eu teria uma moto.
Teria três filhos, ou quatro, quem sabe? Apenas uma mulher. Uma mulher até morrer, morrer feliz.
Eu queria aprender mais da vida, mais de gente, queria conhecer outros lugares. Queria que a vida fosse longa o bastante para pousar durante tempos em terras distantes. E sentir o cheiro, o gosto, ver o sentido que cada povo dá pros dias atuais, pros vindouros, pros incertos.
Queria escrever, e dançar, e ter um piano. Ou um violão. Tocaria com meus 3 ou 4 filhos. Cantaríamos juntos. Dançaria com a mãe deles.
Queria morar na cidade, ser prefeito, ajudar muita gente, fazer política em tudo. Não queria virar nome de rua ou de praça. Queria fazer leis, tocar projetos, mudar vidas.
Queria escrever textos com os quais outros se identificassem, queria escrever músicas e que elas ficassem guardadas como boas recordações. Queria que essas canções fossem para bons momentos.
Queria mais que um bom ano, um bom projeto ou um bom mês. Queria realizar sonhos sem prazo de validade.
Alguns deles vingariam, outros não. Queria ser forte pra buscá-los e não deixar com que ficassem somente como lista daquilo que jamais conseguirei contar.

26.3.10

Se não fossem vocês...

"O telefone não tocou e o carteiro só trouxe encartes, catálogos, nenhum postal. Passados muitos anos tenho ainda a lembrança de tanta gente marcante que dividiu segredos, sonhos e casos inesquecíveis. Impossível esquecer as velhas piadas que ninguém mais entendia. A vida passou e não sei mais onde eles estão.

Não sei como mas a terceira parte da vida tinha corrido e tudo que tinha eram boas recordações de um tempo que, mesmo tendo sido de poucos anos, havia gravado emoções que jamais se apagariam. Das amizades que um dia prometeram ser eternas não sabia sequer o endereço ou o telefone. Por onde andariam? Pra onde caminharam?

A tristeza não me corroía totalmente porque tinha muitos bons momentos passados. A vida que hoje era de uma monotonia deprimente, revelava-se mais brilhante quando trazia da juventude rostos que vira dia após dia, com quem havia descoberto quem eu era e quem gostaria de ser. A chama que ainda vivia era a do passado. Como foi bom!"

Infelizmente há quem não se orgulhe do que viveu. Há quem simplesmente não tenha história e funde suas esperanças nos dias que ainda virão, na expectativa de enfim viver intensamente e, um dia, ter do que lembrar. Todos precisam do passado, todos precisam do futuro, pois a falta de um ou de outro tira do presente boa parte do seu sentido.

Não ter referências afetivas, não ter amigos que lhe conheçam desde sempre o impede de ver confrontadas suas mudanças de temperamento, seu amadurecimento emocional, e, também, dos erros que permanecem apesar das rasteiras que deveriam ter-lhe ensinado a endireitar seus caminhos.

Não ter objetivos afeta a motivação, nos faz seguir sem saber pra onde, nos faz escolher sem saber o porquê. Daí a importância de buscar sempre novos caminhos, de preferência, contando com as conquistas que nos serão mais caras com o passar dos anos: os relacionamentos que fomos capazes de cultivar.

Relembrar é ótimo porque trazemos à tona das nossas caixas de memória sentimentos relacionados aos eventos que recordamos. Quando relembramos, sentimos de novo tanto o calor quanto o frio, a tremeção, a expectativa, a explosão de alegria... Feliz é quem tem do que falar, de quem falar, o que sentir. Feliz é quem tem histórias.

Mais feliz é quem continua vivendo-as. Com todas as agruras naturais aos relacionamentos, mas vivendo-as. Conseguir permanecer ao lado daqueles com quem você construiu sua história é desafio dos mais recompensantes mas não é fácil. É difícil porque, no desfiar da vida, aparecem oportunidades que nos levam pra longe, aparecem pessoas que nos levam pra longe e nos fazem mudar a maneira de pensar. É natural que nos alinhemos com quem comungamos gostos e ideiais, mas quando essa semelhança se desfaz, afastamo-nos. Quantos ficam?

O desafio de reviver talvez seja maior que o da primeira aproximação, da construção da amizade. Tudo que precisa ser reconstruído é mais difícil porque no começo não há marcas, não há queixas, não há conhecimento sobre aqueles defeitos que às vezes nos incomodam. Reviver é difícil, mas é gratificante. Reviver é escolher lutar por manter conosco as pessoas que aproximaram-se, contribuíram para parte da nossa personalidade e estarão sempre voltando naqueles sonhos estranhos que, vez por outra, surgem no meio da noite.

Claro que a vida não acaba quando deixamos pelo caminho nossos pilares, afinal, todo dia é dia de recomeçar, conhecer gente nova, iniciar novas relações, construir novas histórias. Mas, entre "lembrar de novo" e "viver de novo", entre a dura saudade e a possibilidade de olhar pro lado, viver "de novo e sempre" é bem melhor.

17.3.10

O Rio contra Ibsen

Não vou falar sobre o eterno 'Anão do Orçamento', Sr. Ibsen Pinheiro. Ele é apenas um dos que aproveitam-se das facilidades que a moral escorregadia do brasileiro aceita. Nunca é exaustivo lembrar que o voto secreto e a democracia vigoram nessa terra que "em se plantando, tudo dá", e esse cidadão foi eleito por votos que valem tanto quanto o meu e o seu.

Que fique o Deputado em defesa dos seus interesses e daqueles que o patrocinam, e nós do outro defendendo-nos de mais uma tunga. Digo mais um roubo em razão da recente história de perdas que o Rio de Janeiro suportou. Chega a ser cansativo ouvir a queixa de outros brasileiros acerca da favelização, do crime organizado, da falta de empregos, da desorganização, da sujeira que cobre as ruas, enfim, do visível e vergonhoso declínio vivido pelo estado que sempre projetou tão bem a imagem do Brasil mundo afora.

Esquecem-se os queixosos de informações que não são minhas e que certamente muitos dos que as lerão conhecem. A cidade que já foi capital da colônia no século XVII e, a partir de 1808, do Império Português, continuou como centro das decisões políticas até 21 de abril de 1960 com a mudança da capital da República para o interior do País.

A perda de relevante parte da sua população economicamente ativa (servidores públicos federais) deu início ao declínio da economia carioca com a diminuição não do prestígio político, não da capital, mas do capital circulante.

Não bastasse, o recém-criado Estado da Guanabara - que apesar de tudo ainda andava bem-, em 1974 sofreu novo golpe às suas finanças com a fusão ao Estado do Rio de Janeiro. Em suma, as verbas vindas de impostos e investimentos diretos que sustentavam o "Rio dos sonhos de todos os brasileiros" foram minguando ano após ano e, ainda, passaram e ser divididas com os demais municípios fluminenses a partir de 74.

Passaram-se 3 décadas de declínio e abandono. Justamente quando tanto a economia estadual quanto a organização municipal começam a dar mostras de uma enfim ressurreição, a estranha força que orientou os movimentos anteriores novamente vem tentar assaltar o povo que representa, com mais legitimidade a beleza, alegria e simpatia de todos os brasileiros.

A covardia contra o Rio é contra o Brasil. Desmoralizar a cidade que simboliza a beleza brasileira e permitir que, sem recursos, o abandono a ultraje cada vez mais é consentir que todos nós sejamos envergonhados. O Rio não é apenas uma cidade ou um estado, é o símbolo de uma Nação.

16.3.10

Relembrar ou Reviver?

Conversando com um amigo no último sábado falamos um pouco sobre a grande diferença entre 'relembrar' e 'reviver'. Quero pensar um pouco mais e maturar em palavras o resultado dessa troca. Em breve...

Curtas

Por alguma razão desconhecida gosto de biografias. Estou lendo a de Francisco de Assis Chateubriand Bandeira de Melo ("Chatô - O Rei do Brasil" de Fernando Morais) e confesso que tanto a história do homem quanto a escrita de Fernando têm me envolvido. Não sei se é o enredo que facilita o trabalho do escritor ou o talento deste que torna a prosa mais atraente. De qualquer maneira, hoje consegui romper a barreira das 200 páginas mas o final ainda está longe. Uma vida que rende 700 páginas bem escritas é raro. Sinceramente ainda não descobri se, dentro dos meus sonhos, prefiro ter o talento de quem é capaz de escrever um livro desses ou se o personagem central tão cheio de causos.

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Há alguns momentos em que me sinto incomodado a sair de casa e juntar-me à massa. Apesar de com o passar dos anos estar ficando avesso a multidões, aglomerações e afins, as conversas políticas que me atraem vez por outra cutucam o que, na falta de uma definição melhor, vou chamar de 'Minha Cidadania'.

Isso que para mim soa como dever cívico, como obrigação em engrossar o coro por mudanças, em exigir que a letargia seja extirpada, já me levou à passeata dos Caras Pintadas em 1992 e agora me incomoda a repetir o mesmo trajeto (Candelária-Cinelândia) contra a Emenda Ibsen.
Apesar da relevância do tema (tudo que envolve dinheiro.....), vejo como mais importante o engajamento tanto do Governo quanto das pessoas nessa briga. Há tempos estamos dormindo, deixamos o abandono nos cercar, os buracos nos engolirem, as favelas maltratarem os favelados e (ainda)não-favelados...

Certamente, caso aprovada a Emenda Ibsen, o substitutivo do Senador Pedro Simon ou qualquer outro golpe semelhante estaremos, povo do Rio de Janeiro, mais uma vez violentados em nome do que chamam de interesse nacional.

Quarta-feira estarei lá e voltarei pra falar mais sobre a recente história de perdas que temos sofrido desde 21 de abril de 1960.

12.3.10

Declarações Roubadas

Essa semana lembrei de Cazuza, ouvi umas músicas e me permiti apropriar-me de algumas das suas palavras. Coisas como: "contar besteiras", "tanta coisa em comum" e ter medo de dizer que te amo, outras como "deixar escapar segredos".

A singeleza de questões simples e que intimamente todos nós sonhamos viver um dia deixa nossa mente voar. Essas situações tão repetidas quando não prestamos atenção, estranhamente acabamos travando nas relações afetivas.

Talvez os medos, as obrigações ou os modelos pregados nos impeçam de sermos 'nós mesmos', 'simplesmente nós', talvez essas tramas nos impeçam de viver sem nó(s).

Carta ao Imperador

Autoria: Fla Manguaça


ADRIANO, IMPERADOR DOS NOSSOS SONHOS


Atribui-se ao maestro Tom Jobim a autoria da frase de que no Brasil o sucesso é interpretado como uma ofensa pessoal, já que a procura de imperfeições e vacilos dos nossos heróis é o esporte nacional praticado com mais afinco pelos chatos de plantão.

A Nação Rubro-Negra, a porção mais feliz que habita essas terras, tem imenso orgulho de ser governada por um Imperador generoso e atento às agruras de seus súditos, que esperaram tantos anos para poderem triunfar novamente. Adriano devolveu a todos nós a autoestima inflacionada que todo flamenguista tem tatuada na alma. É natural que os frustrados de sempre vistam suas fantasias de mexeriqueiros e façam da fofoca o refúgio de suas respectivas invejas.

O torcedor rubro-negro, ao revés, faz da crença em seu Imperador, o guerreiro que nos devolveu o direito de sonhar com a reconquista do planeta, a inspiração para apoiar e empurrar nosso exército a mais uma vitória, e depois a mais outra, e depois outra ainda mais, até que todos os nossos rivais tombem e estejam devidamente recolhidos às suas minúsculas insignificâncias.

À FLA MANGUAÇA, torcida que há 15 anos frequenta os estádios divulgando sua mensagem de paz e alegria, lembrando a todos que futebol é ainda melhor quando celebrado com cerveja, incomoda ainda mais toda essa hipocrisia, falso moralismo, conselhos abjetos e histeria coletiva contra o consumo de álcool. Imperador, não se iluda: essas candinhas, se pudessem, censuravam a alegria, proibiam a felicidade, acorrentavam o prazer e passavam a entoar seus sermões moralizadores como a panacéia para todos os males.

Imperador, fique tranquilo. Da arquibancada jamais lhe faltará incentivo, compreensão e confiança. Nosso apoio a você é incondicional, irrestrito. Só não é maior do que a nossa gratidão por tudo que você já nos deu

9.3.10

"Estou no céu"

Sem palavras mas apenas com sorrisos, podemos receber essa declaração que merece ser feita em sussurros, bem baixinho, para que ninguém mais a ouça: "estou no céu"!

Estar no céu é flutuar, sentir-se leve, desprendido de todo o peso que a gravidade insiste em fazer sempre grave. Estar no céu é sinônimo de realização, de êxtase, de liberdade completa. Estar no céu é expansão de felicidade, é quando a alma, ainda que por raros instantes, torna-se maior que o corpo.

Podemos caminhar no céu e lá também darmos as mãos, podemos somente olhar e, de novo sem qualquer som, saber que não estamos mais no chão. Podemos nos esconder do dia, olhar de longe, esperar os dias e, ainda assim, sentir a plenitude que nos enche de fôlego, de vontade de voar novamente. Podemos descobrir como é maravilhoso falar diretamente ao coração. E suspirar. E levitar.

Não ganhamos asas sozinhos. Se andamos sobre as águas, sobre a grama molhada ou entre as nuvens é pela presença de algo maior, de um sonho que insiste em tornar-se possível, constante, quase irreal. Se não fazemos como os outros, se não entramos em vilas, se não deixamos pegadas é porque não somos os outros, não precisamos de chaves, não andamos com os pés no chão. É porque o céu está ao alcance das nossas mãos.

Estar no céu...por pouco ou por muito, sempre ou raro. Bastam ideias, basta coragem, basta querer. Basta subir o muro, olhar o mundo de cima e dar o passo à frente que, inexplicavelmente, nos fará flutuar.

5.3.10

Baile de Máscaras

Já nas primeiras linhas vou tentar vaticinar resposta à pergunta: por que fingimos tanto no início dos relacionamentos?

Sem introdução posso dizer, com alguma precisão mas sem encerrar o pensamento, que escondemos nossos rostos por medo. Temos medo de que o objeto do nosso desejo veja nossos ciúmes, nossa tosquice, nossa rudez, nosso egoísmo; não queremos que o "alvo das nossas intenções" nos perceba impaciente, deselegante, desinformado, desajustado. A imagem que pintamos é Renascentista!

Passado algum tempo, obviamente não conseguimos sustentar o braço levantado ao rosto segurando belas máscaras venezianas que faziam tudo parecer carnaval....O braço cansa e cai. Nossas rugas, nossas espinhas, nossos tiques de repente aparecem e causam espanto. A princípio esse susto é relevado pela paixão que conseguimos amealhar nos primeiros dias e é suficiente para sustentar a sobrelevação das nossas imperfeições ainda sem causar graves decepções. Segundo pesquisa citada por Gary Chapman*, a paixão é um evento emocional de desdobramentos químicos com prazo máximo de validade de dois anos. Depois disso, só o amor salva.

Só ao amor salva. Depois de dois anos toda nossa nudez está exposta da forma mais escancarada possível, toda nossa paranóia já ficou nítida e perdemos também o pudor de sermos desagradáveis, de não tentar sequer sorrir quando não temos vontade, de mandar às favas comentários sobre nossas escolhas, manias e desmandos.

Geralmente agimos assim - ocultando o Darth Vader que existe em nós - sem caso pensado, mas para 'perpetuação da espécie'. Queremos, como conquistadores, agradar ao outro gênero da nossa espécie e garantir nosso senso de preservação, de território, de acasalamento, e, numa análise mais evoluída, a possibilidade de conseguir ser amado apesar das nossas fraquezas.

É bem verdade que usamos as máscaras, antes, para nós mesmos. Queremos esquecer cada uma das nossas quase incorrigíveis deformidades comportamentais e chegamos a acreditar que não as repetiremos mais. Tentamos, tentamos, tentamos, tentamos, até que cansamos. Baixamos o braço, caem as máscaras e estamos, de novo, nus.

Encararmo-nos sem maquiagem é um desafio difícil para quem está disposto a buscar cura para erros repetitivos. Precisamos enxergar - e depois assumir - que talvez possamos não ter razão acerca do que pensávamos e que podemos não ser tão agradáveis como imaginávamos. Descobrir que não somos Narcisos é, definitivamente, menos épico que as fantasias de herois que gostaríamos de envergar. É a confrontação necessária ao renascimento de quem está disposto a viver mais feliz, sem tantas frustrações e sem causar tantas decepções. E, claro, sem cansar o braço por ficar tanto tempo segurando sua máscara.

*in As Cinco Linguagens do Amor

4.3.10

Sobre sentir-se leve

"Flutue, mas ao descer, pise devagar. Sinta o chão aos poucos. Não deixe que a carga de estímulos nos seus pés estrague a sensação que teve de levitar."


3.3.10

TEMPUS FUGIT


Pra quem conhece apenas a primeira parte da expressão, ela termina dizendo: o tempo foge. Antes vêm as letras que agora estão em muitas nucas e tornozelos: carpe diem.

'Carpe diem, tempus fugit'. Aproveite a vida pois o tempo foge. Essa é a filosofia, o ideal que justifica a loucura de tantas decisões. É a desculpa da irresponsabilidade.

Você "deixa a vida te levar, (vida leva eu)" e logo pode estar num lugar que não era seu plano, não te agrada, que não diz absolutamente nada. De repente você pode ver que o tempo está passando e nada de relevante ficou. Num instante a vida está acabando e sua morte não merece sequer 'uma nota curta nos jornais'.

Por quanto tempo o nosso rumo já foi definido pelo acaso, pelas curvas, pelas pedras no caminho, pelas decisões tomadas no limite da bifurcação? Essa desatenção com a vida tem feito com que passemos pelo mundo gastando energia sem marcar nossos nomes sequer entre os mais próximos, sem deixar legado de lealdade, comprometimento, ou, mais simples que isso, de boas lembranças.

A individualidade tem ganho mais espaço e ela já é tão grande que dentro da mesma casa falta espaço para mais de duas pessoas. Nessa luta por prazeres e conquistas sem propósito, ter razão torna-se mais importante que ceder pelo bem-estar mútuo. Pensar em si e nos projetos pessoais está muito além dos ideais conjuntos, dos imperceptíveis momentos a dois, a três, a cinco que deixarão lembranças eternas e nos ajudarão a termos nossa identidade emocional bem formada.

'Carpe diem, tempus fugit'. Mas como aproveitar a vida senão pela veia hedonista? Como não se preocupar com o tempo que foge sem querer beber de cada dia seu mais alucinante veneno? Sendo relevante pra quem está próximo, tendo coragem de escolher entre o certo e o confortável, entre a herança e o prazeroso.

Fazer escolhas corretas definitivamente demanda coragem pra abrir mão de muitos benefícios. Podemos optar por tentar viver de maneira relevante ou apenas nos divertir aproveitando cada dia como se fosse o último. Certamente, decidir gastar seus dias ensinando o caminho a outros, buscando entender as fraquezas de quem está perto, estendendo a mão, gravando no coração e na memória carinhos e gestos inesquecíveis, também é aproveitar a vida. Ou melhor, isso sim é aproveitar a vida, porque não importa o quanto o tempo fuja essas marcas sempre serão mais fortes que o esquecimento.

É importante saber como queremos ser lembrados. No dia em que nos formos de vez, ou simplesmente se estivermos longe e alguns pensarem em nós, qual será nosso apelido, nossa alcunha? "O esperançoso", "o lutador", "o negligente", "a louca", "o bom filho", "o pancado", "o complicado"?

Que nossa chama não apague e lembrem de nós como uma geração perseverante e, acima de tudo, amorosa.

RELEVÂNCIA

O amor precisa ser o filtro de todas as nossas relações, de cada uma das nossa decisões.

E por falar em amor, deixo parte do texto de 1 Coríntios com a esperança de termos mais disso em nossas vidas. É a minha busca:

4O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
5Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
6Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
7Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá

Amor que sufoca, que faz mal, que põe as suas necessidades à frente da do outro? Amor impaciente, com prazo de validade, indeciso, fraco? Amor que depois se descobre não sê-lo?

O amor que Deus ensina é melhor. Ah, antes que eu esqueça de dizer: sim, ele está ao nosso alcance.

Busque, encontro-o dentro de si. Desenvolva o seu amor. Eu continuo a minha maratona, dia após dia, milha após milha, briga após briga, pazes após pazes...

17.2.10


"BOA NOITE, LOIS"

Os filmes do "Superman" mostram um homem confuso com seus sentimentos, fingidamente atrapalhado com a intenção de esconder o heroi que dividia seu tempo e personalidade com o homem comum. A dúvida estava em cumprir seus deveres de salvação e viver como alguém normal que amava e suportava dores, desilusões e fracassos humanos.

Clark Kent passou muitos anos amando Lana. O tempo passou e viveram mais tempo separados que juntos. Cada um seguiu seu caminho e ele mudou-se para Metrópolis, quando já conhecia Lois Lane.

Durante um tempo ele sumiu para tentar encontrar respostas sobre sua origem, foi para longe em busca de si mesmo. Ao saber que haviam encontrado vestígios de Kripton, "Super" desapareceu. Voltou tempos depois. Como Clark, reassumiu seu antigo emprego no Planeta Diário e reencontrou o amor esquecido que guardava por Lois. Ela estava casada e tinha um filho chamado Jason.

O filme mais recente mostra o Homem de Aço sendo vencido por Lex. Todos os salvamentos que Superman promove no início da história e o levam de volta às manchetes não são capazes de reaproximá-lo do seu amor. Já no fim, tendo sido ferido por seu arquirrival e caído no mar, quem o salva dessa vez é Lois a bordo de um hidroplano. O filme termina e eles se despedem. Clark continua como repórter do 'Planeta' e as façanhas do heroi ficam guardadas para o resto do mundo, para ajudar o próximo.

Ao final vemos que no amor não há herois, no amor não há mocinhas aguardando serem socorridas, no amor um não salva o outro. No amor verdadeiro os dois se completam e dividem segredos, histórias, sentimentos, cumplicidade. É o amor verdadeiro que salva o coração - e não o corpo - dos amantes. O amor real é o de Clark: constante, confuso, limitado pelo medo de contar tudo que sente, de arriscar-se.

Nenhum poder, nenhuma armadura, nenhum corpo de aço é capaz de se sobrepor ao amor. Em nenhum relacionamento a capa intransponível do heroi é suficiente para, milagrosamente, mudar o interior de um coração como faz com o destino de vidas que são alcançadas pelos seus poderes. Tudo é vazado pelo sentimento: o peito, a capa, a frieza, a constância, a predestinação.

A vida pode ter mártires que sacrificam seu tempo para amar a humanidade doando suor, tempo, compaixão, abdicando de projetos pessoais em nome dos coletivos. Mas o amor não faz parte da vida normal, o amor sobrepuja os elementos comuns e afeta até aqueles que parecem sobrehumanos.